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ALCIONE CAI EM CONTRADIÇÃO AO FALAR SOBRE RACISMO: “DENTRO DE CASA, DESDE PEQUENA”

  • Foto do escritor:  Cleiton Bianucci
    Cleiton Bianucci
  • 2 de ago.
  • 3 min de leitura

‘Se você não estudar, vai trabalhar na casa de branco. Você quer ir trabalhar na casa de branco?’”,…

Foto: Redes Sociais
Foto: Redes Sociais

A cantora Alcione, considerada um dos maiores nomes da música popular brasileira e uma voz constante na luta contra o racismo, gerou polêmica ao fazer uma declaração surpreendente durante o programa É de Casa, exibido na manhã deste sábado (2), na TV Globo.


Conhecida por se posicionar com firmeza sobre as questões raciais no Brasil, a artista revelou que o racismo não é algo que enfrenta apenas fora de casa, mas que esteve presente dentro do próprio lar desde sua infância.


“Meu pai mandava eu estudar me ameaçando: ‘Se você não estudar, vai trabalhar na casa de branco. Você quer ir trabalhar na casa de branco?’”, contou Alcione, durante um momento descontraído do programa. O que chamou a atenção — além do conteúdo da frase — foi a reação dos presentes no estúdio: risos. Algo que deveria causar indignação virou motivo de piada, mais uma vez banalizando o racismo e revelando a naturalização do preconceito na sociedade brasileira.


A fala de Alcione, no entanto, abre espaço para uma reflexão necessária: se o racismo é, como ela mesma reconhece, um problema estrutural, por que sua própria declaração não pode ser considerada racista?


Quando Alcione cita o que ouvia do pai, ela expõe uma realidade cruel vivida por muitas famílias negras: a de que a educação era tratada não como um direito, mas como uma obrigação imposta pelo medo de cair na servidão — especificamente, de servir aos brancos. A ideia de que trabalhar “na casa de branco” é uma punição ou um destino inferior carrega em si uma hierarquia racial, profundamente racista. Ao repetir essa lógica, ainda que como vítima, Alcione revela que o preconceito também foi reproduzido dentro do seu próprio ambiente familiar.


Não é preciso que a ofensa seja direta a outra pessoa para que o racismo se manifeste. O racismo estrutural, muitas vezes, é sustentado justamente por frases, comportamentos e ideias que se perpetuam no cotidiano de maneira velada — inclusive entre os próprios negros. A ameaça de que estudar é a única forma de “não acabar servindo brancos” reforça um estigma e reafirma uma posição de submissão como destino natural para os negros. Isso também é racismo.


A grande questão que ficou no ar após o programa é: se Alcione, que se diz vítima constante de racismo, naturaliza e expõe em rede nacional uma frase com carga evidentemente racista, ela também não estaria contribuindo para o mesmo sistema que diz combater?


O combate ao racismo exige coerência. Reconhecer os próprios erros, os preconceitos herdados e até os discursos internalizados é parte essencial dessa luta. Ao não demonstrar nenhum incômodo com a própria fala — e, pior, ao ver risos como resposta dos colegas de bancada —, Alcione mostrou que o problema está ainda mais enraizado do que parece.


A ausência de qualquer reparo, comentário ou reflexão dos apresentadores do É de Casa também chama atenção. Ninguém interrompeu, ninguém questionou, ninguém problematizou. O que se viu foi um constrangimento disfarçado de riso — típico de um país que prefere rir do racismo a enfrentá-lo de frente.


Se ameaçar uma criança negra com o “medo” de trabalhar na casa de uma pessoa branca não é racismo, o que seria? O debate que Alcione, talvez sem intenção, reacendeu precisa ir além da empatia seletiva. Não basta denunciar o racismo quando ele vem de fora. É preciso coragem para apontá-lo, também, quando ele vem de dentro. Inclusive de dentro de casa. Inclusive dentro de si.

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